Estudo de Coorte Retrospectivo
Caracterização do mundo real do controle da glicemia e uso de insulina na unidade de terapia intensiva
Referência:
BAKER, Lawrence; MALEY, Jason H.; ARÉVALO, Aldo; et al. Real-world characterization of blood glucose control and insulin use in the intensive care unit. Scientific Reports, v. 10, n. 1, p. 1–10, 2020.
Escrito por: Aline Franco da Rocha e Thárcis Rocha de Oliveira
A autora declara não apresentar conflito de interesse relacionado a esta publicação e expressões aqui registradas.
O artigo discorre sobre controle glicêmico, um assunto complexo, que vem sendo investigado por inúmeros pesquisadores nas últimas décadas, e ainda assim permanece com resultados divergentes na literatura frente ao seu manejo. Tanto a hiperglicemia quanto a hipoglicemia vem sendo associadas ao aumento da morbimortalidade e são complicações comumente encontradas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Mesmo com a existência de estudos sobre o tema, os protocolos mais atualizados de administração de insulina em UTI priorizam prevenir apenas as hipoglicemia (< 80 mg/dL) e a manutenção da glicose dentro da faixa euglicêmica (140-180 mg/dL). Nesse contexto, sugeriu-se pelos autores do presente artigo que, os desafios e fragilidades do manejo glicêmico poderia diferir significantimente na prática real da UTI, levando-os a elaboração da hipótese de que, a análise de dados de registros médicos eletrônicos altamente detalhados demonstraria que os pacientes possuem ampla variação em sua resposta glicêmica frente à doenças críticas e resposta à terapia com insulina.
Trata-se de um estudo de coorte restrospectivo que utilizou um banco de dados contendo informações de aproximadamente 60.000 internações em UTI entre 2001 e 2012 no Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC), hospital de ensino afiliado à Havard Medical School. Foram incluidos na ánalise: prontuários de pacientes ≥ 18 anos, tempo mínimo de 24 horas internado na UTI e ter realizado ao menos uma aferição de glicemia capilar durante a admissão na UTI. Após todo processo de seleção, foram utilizados para a análise 19.694 prontuários eletrônicos.
A mediana da idade dos pacientes atendidos foi de 66 anos, a maior parte (56%) eram do sexo masculino, brancos (56%) e apenas 24% eram diabéticos. O estudo permitiu observar a frequência da hiperglicemia e hipoglicemia demonstrando que estas geralmente persistem durante a internação, principalmente em pacientes que na admissão inicial eram hiperglicêmicos. O mesmo se aplica aos pacientes com hipoglicemia na admissão, tendem a maior risco de hipoglicemia ao longo de sua internação.
Ao analisar a mudança das médias de glicose ao longo da internação, foi comparado a distribuição das leituras médias de glicose do primeiro e sétimo dias de internação das 2.759 primeiras internações na UTI. No entanto não houve diferença significativa para eventos hiperglicêmicos (p=0,286). Já em pacientes com eventos hipoglicêmicos, houve uma diminuição estatisticamente significativa (p=0,036). O mesmo teste foi realizado separadamente em população de pacientes diabéticos e não diabéticos, porém não houve alterações significativas. Nota-se que os cuidados ofertados na UTI protegem a permanência dos valores de glicemia consideramos hipoglicêmicos, porém a resposta orgânica mantenedora a hiperglicemia não obtém mesma resposta.
É salutar fazer um adendo, as respostas fisiológicas à injúria clínica, cirúrgica ou traumática têm a capacidade de manter um sistema contrarregulador da glicose ativo por períodos longos, assim a ativação simpática persistente, eixo hipotálamo-hipófise-glândulas alvo ativado, e a resistencia insulínica mediada por cascata inflamatória, mantêm altos níveis glicêmicos. Quanto à isso não há dúvidas na literatura científica sobre o risco de mortalidade associado à chamada “hiperglicemia de estresse”. Um ensaio clínico mundialmente conhecido parte desse pressoposto para iniciar as condutas de controle glicêmico com insulina regular de infusão continua, o NICE-SUGAR (The Normoglycemia in Intensive Care Evaluation–Survival Using Glucose Algorithm Regulation – NICE-SUGAR, 2009).
O artigo ainda permitiu o fornecimento de uma maior descrição do processo de gerenciamento da glicemia na UTI, haja visto que este evidenciou uma variação nas doses de insulina administradas independente do nível de glicose no sangue, observou que não houve diferenciação nas estratégias de manejo entre pacientes diabéticos e não diabéticos, e ainda trouxe reflexão do gerenciamento glicêmico personalizado para demostrar o quão invidualizado deve ser este controle glicêmico.
Aplicabilidade dos resultados observados no atual cenário de atuação dos enfermeiros intensivistas brasileiros, considerando a elaboração de um protocolo atual sobre o manejo da glicemia na UTI:
- Menor risco de permanência de hipo/hiperglicemia no ambiente de terapia intensiva;
- Melhores práticas para a assitência de enfermagem no controle glicêmico;
- Melhores desfechos para o paciente internado, com recuperação e prognóstico promissores;
- Melhor definição de pontos de corte para controle glicêmico com foco nas complicações derivadas da hipo/hiperglicemia;
- Diminuição na taxa de morbidade e mortalidade associada à hiper/hipoglicêmia.
Pontos-chave a serem discutidos:
O estudo trás à tona, ao mesmo tempo, a importância e a fragilidade no manejo da glicemia no ambiente de internação de pacientes críticos, alarmando para a necessidade de elaboração, desenvolvimento e aplicação de protocolos de manejo dessa complexa e comum rotina. Além disso, aponta que estes protocolos contemplem uma diferenciação das estratégias no manejo entre populações de pacientes diabéticos e não diabéticos fundamentadas cientificamente, a fim de não haver empirismos na aplicação das estratégias. Reflete ainda sobre, apesar da prática baseada em evidências, a necessidade de fornecer guidelines atualizados sobre o manejo da glicemia de suma importância para o gerenciamento invidualizado no ambiente de UTI.
Sugestões para pesquisas futuras:
Sugere-se que desenvolvam pesquisas que objetivem, avaliar o conhecimento da equipe de enfermagem frente ao manejo da glicemia, a fim de mapear as principais dúvidas deste importante processo, bem como subsidiar a elaboração de medidas que promovam as práticas baseadas em evidências, garantindo uma assistência de qualidade ao paciente gravemente enfermo.
Limitações do estudo:
Não foram realizadas comparações para entender a variabilidade do paciente na resposta glicêmica à doença; ou a variabilidade na dosagem de insulina.
Aline Franco da Rocha
Enfermeira, graduada em 2007 pela UEM – Universidade Estadual de Maringá. Monitora de Fisiologia Humana. Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica modalidade residência pela UEL – Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Patologia Experimental com ênfase no estudo da resistência insulínica pela UEL. Doutora em Ciências da Saúde com ênfase no metabolismo da glicose pela UEL. Pós-doutora em Enfermagem com ênfase em análise estatística pela UEL. Docente Adjunto A do curso de Graduação em Enfermagem na área de Fundamentos de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação Strictu Senso em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina – UEL e do programa de Residência em Cuidados Intensivos do Adulto e Urgência em Enfermagem desta mesma universidade. Atua como docente plantonista em Unidades de Terapia Intensiva. E-mail: alineafr@uel.br
|
|
Thárcis Rocha de Oliveira
Graduado em Enfermagem pela Universidade Cesumar – UNICESUMAR (2022). Pós-graduando em Enfermagem em Urgência e Emergência, na modalidade residência pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina (PPGEn-UEL). Membro efetivo da Comissão Científica do Hospital Universitário Regional Norte Paranaense (HURNP). ORCID: 0000-0001-6414-5119. E-mail: enf.tharcisoliveira@uel.br
|